quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Deficiências - por Mario Quintana


"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive, sem ter consciência de que é dono do seu destino.

"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.
"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.
"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.
"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.
"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.
"Diabético" é quem não consegue ser doce.
"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.
E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:
"Miseráveis" são todos que não conseguem falar com Deus.
"A amizade é um amor que nunca morre."

Alexsandra Thieghi
    Psicóloga

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A torneira seca... mas pior, a falta de sede !


A torneira seca... mas pior, a falta de sede !
Autor:  Fábio Almagro
 
A torneira seca
(mas pior: a falta de sede)
A luz apagada
(mas pior: o gosto do escuro)
A porta fechada
(mas pior: a chave por dentro).
José Paulo Paes
Em minha juventude li muita poesia; eu gostava muito, embora ainda não tivesse a bagagem necessária para um entendimento adequado e completo.
Quando li José Paulo Paes me senti profundamente atraído por esse poema rápido, pontiagudo, cortante que, em poucas frases, resume uma das grandes limitações do ser humano.
Olhando com os olhos de um psicanalista, vejo que muitas vezes, em função de mecanismos de defesa psíquicos, optamos por não querer ver, sentir, entender nada daquilo que está acontecendo conosco; olhar pra dentro pode causar muito desconforto e é mais fácil negar, racionalizar ou usar algum outro artifício inconsciente para fugir de nossas questões, de nossas mazelas.
Sempre que agirmos assim a infelicidade irá crescer; dia a dia, como se fossemos panelas de pressão com as válvulas entupidas; caminharemos na direção de explosões absurdas, explosões de tristeza e angústia, vidas vividas sem significado, com relações, via de regra, conturbadas, com sentimentos ambíguos, situações mal resolvidas, graus de ansiedade bastante altos, depressões, tudo caminhando na direção de possíveis somatizações, ou seja na direção de ficarmos doentes, de trazermos ao corpo as questões psíquicas que carregamos. (A palavra somatos, em grego, significa corpo).
A segunda forma de ver a vida caminha na direção do auto conhecimento, da admissão de nossos limites, de nossas mediocridades, de nossas feridas, de nossas questões mais profundas; mas, creiam em mim, isso dói e não é qualquer ser humano que tem condição, coragem e humildade para trilhar esse caminho. 
Certa vez, quando ainda jovem, eu fiquei por quatro anos em um processo psicanalítico extremamente profícuo e rico. Quando perguntei à minha analista qual era o motivo para termos algumas seções tão densas e outras tão leves, ela me disse: “Fábio, quando alguém chega da guerra e está em uma enfermaria, algumas feridas doem tanto que não podem ser tratadas; só podemos cuidar daquelas cuja dor o paciente possa suportar. Quando ele permite que sejam limpas, cuidadas, que o tecido necrosado seja retirado, podemos fazer  os curativos.Em algumas seções você sé permite que eu mexa em feridas superficiais, em outras, quando você se sente mais fortalecido, você me permite tratar de suas fraturas expostas, seus ferimentos mais graves, suas dores maiores, aquelas que realmente podem acabar mat ando você.”
Um amigo sem noção me disse nessa época; “O que é isso que você tem com essa analista? Uma amizade paga? Eu acho que isso é uma covardia, que se eu tenho problemas eu mesmo tenho que resolvê-los.” Pobre coitado, tem mais problemas do que imagina. O processo psicanalítico exige coragem, muita coragem, muita garra, para olhar para si mesmo.
Quando conversamos com amigos ou pensamos sozinhos em nossas questões, conseguimos nos esconder de nós mesmos, conseguimos racionalizar situações, fugimos do contato com as questões efetivamente críticas de nossas existências. Sozinhos, percorremos os caminhos que queremos, e dos amigos, ouvimos coisas confortantes, ou palpites mal embasados que desconsideram nossos próprios conteúdos psíquicos.
Na técnica psicanalítica, o analista nos ajuda a buscar por nossos monstros, elaborar nossos conteúdos e a resignificar as nossas questões mais profundas e pessoais. Não conseguimos fazer isso sozinhos e na grande maioria das vezes, os amigos só atrapalham, por melhor que sejam as suas intenções.
Todos temos nossas mazelas, falhas em nossa criação, questões estruturais, questões afetivas, pequenas ou grandes mediocridades.
Uma vida feliz não é aquela na qual temos uma posição social interessante ou uma vida na qual procuramos tampar nossas feridas com curativos infectados: carros novos, compras desnecessárias, viagens, “lenitivos”, anestésicos para nossas almas.
Uma vida feliz começa por encontrar a si mesmo e por admitir nossa profunda insignificância.
Vamos fazer uma analogia; quando Gil (Gilberto) diz :
“Se eu quiser falar com Deus... 
Tenho que folgar os nós
Dos sapatos, da gravata
Dos desejos, dos receios
Tenho que esquecer a data
Tenho que perder a conta
Tenho que ter mãos vazias
Ter a alma e o corpo nus
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que aceitar a dor
Tenho que comer o pão
Que o diabo amassou
Tenho que virar um cão
Tenho que lamber o chão
Dos palácios, dos castelos
Suntuosos do meu sonho
Tenho que me ver tristonho
Tenho que me achar medonho
E apesar de um mal tamanho
Alegrar meu coração
Se eu quiser falar com Deus
Tenho que me aventurar
Tenho que subir aos céus
Sem cordas pra segurar
Tenho que dizer adeus
Dar as costas, caminhar
Decidido, pela estrada
Que ao findar vai dar em nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Nada, nada, nada, nada
Do que eu pensava encontrar”
Se quisermos “falar” com nós mesmos, teremos de passar, da mesma maneira, por tudo isso, e tudo isso dói, dói profundamente, mas é a única maneira de chegarmos ao tão sonhado auto conhecimento.
Enfrentar nossas mazelas, deixar de lado nossos orgulhos, perder ilusões de que em algum sentido somos melhores do que qualquer um de nossos semelhantes,deixar títulos de lado e apesar de tudo e do mal tamanho... alegrar nossos corações.
Creiam em mim, nada é mais pobre, mais triste, mais vulgar do que a superficialidade, a mediocridade.
Nada é pior do que fugir de si mesmo, nada é mais triste do que;
 
A torneira estar seca, mais não termos sede, a luz estar apagada e gostarmos do escuro, a porta fechada mas mesmo dispondo da chave, preferirmos ficar trancados.
Tudo na sociedade moderna nos induz, nos propõem uma vida esvaziada de sentido, relações descartáveis e a busca desesperada por posição e por dinheiro.
Novamente eu peço... creiam em mim: É uma armadilha, fujam de tudo isso; pois não é por esse caminho que uma vida se justifica. Fujam da mediocridade, valorizem a idéia de uma formação humanística, para que dela advenha a ética da qual sentimos tanta falta em nossa sociedade.
Voltando ao texto de Gil, curioso pensar na frase célebre de Sócrates : “Conhece-te a ti mesmo e conhecerás a Deus” ... São processos tão semelhantes, que ao passarmos por um, teremos chegado ao outro. Linhas paralelas que se encontram no infinito.
 
 
 
Por: Alexsandra Thieghi
             Psicóloga